Francis Hime e Olivia Hime se harmonizam na densidade poética do show 'Dois Franciscos'
17/12/2022
Recital vai além da parceria do compositor e pianista com Chico Buarque em roteiro valorizado pela maturação do canto da artista. Francis Hime e Olivia Hime em cena na Sala Nelson Pereira dos Santos, em 16 de dezembro, na estreia do show 'Dois Franciscos' em Niterói (RJ)
Mauro Ferreira / g1
Resenha de show
Título: Dois Franciscos
Artistas: Francis Hime e Olivia Hime
Local: Reserva Cultural Niterói – Sala Nelson Pereira dos Santos (Niterói, RJ)
Data: 16 de dezembro de 2022
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Já a caminho dos 80 anos, a serem festejados em junho de 2023, Olivia Hime foi se tornando cantora cada vez mais interessante por atingir alto níveis de densidade interpretativa – a ponto de imprimir forte teatralidade no canto e no gestual ao dar voz a O meu guri (Chico Buarque, 1981), música que Elza Soares (1930 – 2022) tomara para si pela vivência e pelas dores sofridas que a irmanavam com a mãe retratada por Chico Buarque em letra que expõe a tragédia cotidiana de crianças e adolescentes aliciados pelo crime nos morros da cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Interpretado por Olivia no show Dois Franciscos em suíte dramática aberta com o toque e o canto do samba Pivete (1978) por Francis Hime, parceiro de Chico nesta composição, o samba O meu guri aparece linkado no roteiro por afinidade temática com Pietá (Francis Hime e Silvana Gontijo, 2019).
O número é um dos pontos mais altos do show em que Olivia se junta ao parceiro de vida e música, Francis Hime, para dar voz a músicas dos dois Franciscos do título do recital.
Um Francisco é Chico Buarque de Hollanda. O outro é mesmo Francis Victor Walter Hime, mestre da composição, dos arranjos e do piano de atuais 83 anos – chamado de Francisco pelos amigos, como contou Olivia para a plateia que assistiu à estreia do show em Niterói (RJ), no elegante teatro batizado como Sala Nelson Pereira dos Santos, na noite de ontem, 16 de dezembro.
O show Dois Franciscos chegou a Niterói (RJ), após algumas apresentações em São Paulo (SP) e no Rio de Janeiro (RJ), cidade que inspirou a Suíte carioca com que Francis abriu o show sozinho ao piano que vale por uma orquestra, em número instrumental em que costurou músicas como Corcovado (Antonio Carlos Jobim, 1960), Garota de Ipanema (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1962), Aquele abraço (Gilberto Gil, 1969), Vai passar (Chico Buarque e Francis Hime, 1984) e Piano na Mangueira (Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, 1992).
Olivia entrou em cena quando Francis cantava o verso “...E se eu convidá-la para dançar”, da música E se... (Francis Hime e Chico Buarque, 1980), emendada com Outros sonhos (Chico Buarque, 2006) na voz da cantora após ganhar caco de Francis no verso “...E se o Carnaval cair em abril” (“E não é que caiu?”, gracejou Francis em alusão à mudança do calendário da folia neste ano de 2022 por conta da pandemia).
A maturação do canto de Olivia Hime ficou evidente quando a intérprete abordou Embarcação (Francis Hime e Chico Buarque, 1972) – originalmente um samba nas gravações lançadas há 40 anos em discos de Francis e Simone – em forma de canção, em sintonia com a densidade da letra.
Embarcação foi outro ponto alto de show que transitou pela espessura poética da parceria de Francis e Chico, iniciada há 50 anos com a criação da canção Atrás da porta (Francis Hime e Chico Buarque, 1972).
Apresentada na voz de Elis Regina (1945 – 1982), Atrás da porta ganhou a voz de Francis no show em distribuição surpreendente pelo eu-lírico da canção ser feminino. A inversão de gênero teve sequência de forma menos explícita no número seguinte, Trocando em miúdos (Francis Hime e Chico Buarque, 1977), com Olivia dando voz aos versos em que um presumível marido deixa a casa da mulher para consumar a separação do casal.
A dramaticidade igualmente poética da obra de Francis com Vinicius de Moraes (1913 – 1980), primeiro parceiro do compositor, também adensou o show em números como Anoiteceu (Francis Hime e Vinicius de Moraes, 1966) e Saudade de amar (Francis Hime e Vinicius de Moraes, 1966).
Entre solos vocais e duetos, como o feito na cada vez mais atual Passaredo (Francis Hime e Chico Buarque, 1977), Francis e Olivia Hime se irmanaram no requinte do cancioneiro de roteiro que abarcou Morro Dois Irmãos (Chico Buarque, 1989) – música gravada pela cantora no álbum Alta madrugada (1997) – e Mar e lua (Chico Buarque, 1980), além de Todo o sentimento (Cristovão Bastos e Chico Buarque, 1987), canção iniciada por Olivia e arrematada por Francis na parte final até que o casal chegou junto ao fim em total harmonia.
Em essência, harmonia talvez seja a palavra-chave que sintetiza as músicas e os artistas do show Dois Franciscos. Ainda que Olivia Hime tenha mostrado eventuais hesitações com uma ou outra letra, perfeitamente naturais diante do encadeamento complexo de versos como os de O que será (À flor da pele) (Chico Buarque, 1976), o casal se afina no show Dois Franciscos pela irmandade das duas almas musicais.
Francis Hime canta e toca piano em show em que Olivia Hime dá voz a músicas como 'Embarcação', ponto alto do show 'Dois Franciscos'
Mauro Ferreira / g1
♪ Eis o roteiro seguido por Francis Hime e Olivia Hime em 16 de dezembro de 2022 na estreia do show Dois Franciscos em Niterói (RJ) em apresentação na Sala Nelson Pereira dos Santos:
1. Suíte carioca – Número instrumental com Francis Hime ao piano
Samba do Avião (Antonio Carlos Jobim, 1962) /
Corcovado (Antonio Carlos Jobim, 1960) /
Copacabana (Braguinha e Alberto Ribeiro, 1946) /
Lígia (Antonio Carlos Jobim, 1974) /
Garota de Ipanema (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1962) /
Aquele abraço (Gilberto Gil, 1969) /
Exaltação à Mangueira (Enéas Brites da Silva e Aloísio Augusto da Costa, 1955) /
Piano na Mangueira (Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, 1992) /
Pivete (Francis Hime e Chico Buarque, 1978) /
Vai passar (Chico Buarque e Francis Hime, 1984)
2. E se... (Francis Hime e Chico Buarque, 1980) /
3. Outros sonhos (Chico Buarque, 2006)
4. Passaredo (Francis Hime e Chico Buarque, 1977)
5. Embarcação (Francis Hime e Chico Buarque, 1982)
6. Morro Dois Irmãos (Chico Buarque, 1989)
7. Mar e lua (Chico Buarque, 1980)
8. Todo o sentimento (Cristovão Bastos e Chico Buarque, 1987)
9. Sem mais adeus (Francis Hime e Vinicius de Moraes, 1964)
10. Anoiteceu (Francis Hime e Vinicius de Moraes, 1966)
11. Pivete (Francis Hime e Chico Buarque, 1978)
12. O meu guri (Chico Buarque, 1981)
13. Pietá (Francis Hime e Silvana Gontijo, 2019)
14. Pivete (Francis Hime e Chico Buarque, 1978)
15. Atrás da porta (Francis Hime e Chico Buarque, 1972)
16. Trocando em miúdos (Francis Hime e Chico Buarque, 1977)
17. Futuros amantes (Chico Buarque, 1993)
18. Luiza (Francis Hime e Chico Buarque, 1977)
19. Saudade de amar (Francis Hime e Vinicius de Moraes, 1966)
20. E se... (Francis Hime e Chico Buarque, 1980)
Bis:
21. Meu caro amigo (Francis Hime e Chico Buarque, 1976)
22. O que será (À flor da pele) (Chico Buarque, 1976)